* por Gilvan Ribeiro, Atleta Olímpico Rio 2016 e acadêmico de Psicologia e Jornalismo
Ao longo da minha carreira como atleta profissional eu tive o privilégio de trabalhar com ótimos treinadores. De renome internacional, os húngaros Ákos Angyal e Zontan Báko foram determinantes para o meu desenvolvimento técnico. Com o português Rui Fernandes eu cheguei à Olimpíada, em 2016, aprendendo muito sobre treinamento de força e velocidade.
Mas o que poucos sabem é que antes desses profissionais, foi pelo olhar de outra pessoa que as portas da canoagem se abriram pra mim, em 2001. Sem a presença dessa figura na minha vida, certamente eu nunca teria saído de Santa Maria para ganhar o mundo remando.
Com 12 anos de idade e pesando pouco menos de 50 kg, o meu porte físico estava em desvantagem comparado aos garotos da minha turma. Muito por conta disso e, também, pela falta de habilidade com a pelota, no time da escola eu sempre ocupava o banco de reservas. É possível imaginar o quanto trágico isso era. Afinal, um garoto da periferia que não sabe jogar futebol direito é como um norueguês que não sabe esquiar.
Hoje, olhando para trás, eu entendo que tudo aconteceu como tinha que ser, pois o meu destino era mesmo remar. Claro que, na época, eu não sabia disso e foi justamente nesse momento que o professor Evandro Dotto apareceu.
A nossa convivência durou pouco menos de um ano, tempo o suficiente para eu absorver ensinamentos preciosos. Recém graduado em Educação Física pela UFSM, Evandro foi convidado para treinar a equipe da canoagem da cidade. Os cabelos longos e o cavanhaque marcavam o seu estilo jovem e roqueiro. Entre a gurizada da equipe, o seu apelido era "Bodão'', se ele gostava, eu não lembro bem. Para se locomover até os treinos no Parque Náutico, que ficava longe de sua casa, por vezes ia de bicicleta, a pé ou de Fusca.
Com ele aprendi a dar as minhas primeiras remadas, a me equilibrar em um caiaque de competição. Mesmo sem ter sido atleta de canoagem, Evandro adquiriu conhecimentos técnicos específicos em um estágio, com a seleção brasileira. Mais importante do que isso, ele carregava consigo o afeto dos verdadeiros mestres, algo que alimentava a minha confiança e admiração por sua figura.
Para uma criança da minha idade, que estava se descobrindo enquanto sujeito no mundo, este olhar de carinho e respeito do mestre foi fundamental. Certamente, isso fez com que eu acreditasse que remaria entre os grandes um dia. Entendi que não existiria mar bravo a intimidar um sonhador.
"A oportunidade está aqui, na frente de vocês, acenando, não a percam de vista'', ele dizia. A oportunidade que ele se referia era o caiaque, o remo e o desejo de remar. Se em outras equipes as condições eram melhores do que as nossas, aprendi com ele a transgredir o destino, criando o meu próprio caminho.
Quando deixou a equipe, em 2002, foi por desavenças com a gestão do clube, justamente em busca de mais apoio para nós, atletas. Antes de sair, Evandro referenciou o meu nome ao treinador da seleção gaúcha na época, Alvaro Koslowski. Dois anos depois, eu fui convocado para o time regional e deixei a cidade para treinar fora.
Comigo levei os conselhos do mestre Evandro e a certeza de que o destino havia sido bondoso comigo, quando o colocou em meu caminho.